Umumbigo


ninguém escreve à Alice
Agosto 25, 2009, 11:54 am
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“Mas o carteiro passou
Nada deixou nada disse
E o recado não chegou
Ninguém escreve à Alice
Ninguém escreve à Alice”
, cantaria Rui Veloso.

A verdade é que hoje ninguém escreve à Alice, à Beatriz, à Carolina, à Diana, à Eva, à Fátima, à Guidinha, à Helena, à Ivone, à Joana. Ou à Kátia com “k”, mas sem Vanessa, se faz favor, à Luísa, à Madalena, à Nádia, à Oriana. O mesmo se passa com a Patrícia, a Quitéria (sim, não foi fácil descobrir um nome começado por “q de quá quá”, um viva aos tempos da primária), a Raquel ou a Sofia. Assim como a Tânia, a Úrsula. E a Violeta, a Wilma, a Xana, a Yolanda e a Zulmira?

Depois de demonstrado que domino amplamente o abecedário, um possível motivo de orgulho nos tempos que correm, pensemos nas antigas cartas de selo e carteiro de bicicleta, de tempos em que ainda havia tempo. Poucas são as que resistem e sobrevivem às garras do e-mail, ao veneno das “short message service”, até ao chilrear do Twitter. E se estes serviços são, efectivamente, curtos e efémeros, eliminadas as frases soltas com um simples “delete”, por que é que abafa a carta longa, palpável, de cores ao gosto do freguês, com uma possível marca de batôn ou uma gota de perfume? Porque hoje é tudo demasiado rápido, demasiado imediato, quase que não há tempo para parar e pensar (o mal de tanta gente), quanto mais para pegar na caneta e no papel, escrever, comprar um selo e ir aos Correios, ora que coisa de quem não tem nada de útil para fazer, não é? Não, não é.

Tenho pena que já não se enviem cartas com a paixão de antigamente (nem de amor, nem entre amigos, nem de frustrações e ameaças, confissões ou felicitações), e eu mesmo incluo-me no grupo dos desenfreados que optam pelos meios ditos “modernos”. Mas nunca terá o mesmo simbolismo. Daí o meu vício irremediável de passar mensagens de telemóvel que de alguma forma me são especiais para papel. Como pequenos parágrafos de cartas que não chegaram. Tenho folhas e folhas de pequenas mensagens, escritas à mão num suporte que amarelece com o tempo. Não as posso eliminar com um clique rápido ou perdê-las porque a memória do bichinho electrónico pifou. Estas pequenas mensagens perduram num caderno de argolas, arrumadas na gaveta das recordações, com data e hora de entrega. Não vieram pela mão do carteiro, é verdade, também lhes falta o selo e a caligrafia do remetente. Mas o destinatário encontrou esta forma de perdurar o que hoje pode ser fugaz. É que o presente alimenta-se também do passado. E, às vezes, sabe bem ler estas “short messages” adaptadas ao formato de carta, quase um retrocesso no tempo. Um retrocesso para parar um pouco, saborear e avançar com um sorriso mais verdadeiro.

Entretanto, vou ao correio ver se chegou algum panfleto irritante publicitário, alguma conta, alguma multa, uma pilha de lixeira ou mais burocracias fastidiosas.