Umumbigo


micélio
Agosto 27, 2020, 10:51 pm
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“O micélio cresce sob toda a floresta e talvez até debaixo de toda a aldeia de Outrora. Sob a terra, sob a macia camada de húmus, sob a relva e sobre as pedras, o micélio tece um emaranhado de finas linhas,  cordões e novelos, com os quais envolve tudo. Os filamentos do micélio possuem uma força poderosa e entranham-se entre cada torrão de terra, entrelaçam as raízes das árvores e sustentam enormes pedregulhos na sua infindável marcha lenta. O micélio é semelhante ao bolor, branco, delicado, frio; é uma renda lunar subterrânea, uma filigrana húmida de talófitas, são os lúbricos cordões umbilicais do mundo. Expande-se pelas pradarias e circula sob as estradas traçadas pelos seres humanos, trepa pelos muros das suas casas e, às vezes, em maré de poder, ataca os seus corpos de maneira imperceptível.

O micélio não é uma planta nem um animal. Não é capaz de ir buscar forças ao Sol, porque a sua natureza é estranha ao Sol. Não se sente atraído por aquilo que é quente e vivo porque a sua natureza não é nem quente nem viva. O micélio vive à custa dos restos das seivas que absorve de tudo aquilo que morre, se decompõe e é absorvido pelo solo. O micélio é a vida da morte, a vida da decomposição, a vida daquilo que morreu.”

Outrora e Outros Tempos, Olga Tokarczuk



Agosto 7, 2020, 6:26 pm
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céu
Agosto 2, 2020, 4:41 pm
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“Todos sabemos, por exemplo, que o céu ainda não está acabado. São as mulheres que, desde há milénios, vão tecendo esse infinito véu. Quando os seus ventres se arredondam, uma porção de céu fica acrescentada. Ao inverso, quando perdem um filho, esse pedaço de firmamento volta a definhar.”

A confissão da leoa, Mia Couto