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“Um relógio é um objeto caro e estúpido”, dizia ele. Calculava o tempo e, sobretudo, a hora das refeições, que era a única que lhe importava, com as suas duas panelas, uma das quais estava cheia de grão-de-bico quando acordava. Enchia a outra, grão a grão, com o mesmo movimento aplicado e regular. Encontrava assim os seus pontos de referência num dia medido à panela. “De quinze em quinze panelas”, dizia ele, “preciso de comer. É muito simples.”
A Peste, Albert Camus
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Só se conhece o peso de um corpo morto
tendo que arrastar esse corpo
ou tendo amado esse corpo
é de evitar arrastar corpos mortos
e amar corpos que morrem
antes de nós.
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“Pergunta: como fazer para não se perder tempo? Resposta: senti-lo em toda a sua extensão. Meios: passar os dias na sala de espera de um dentista, numa cadeira desconfortável; viver à nossa varanda as tardes de domingo, ouvir conferências numa língua que não se compreende; escolher os itinerários de caminho de ferro mais longos e menos cómodos e viajar de pé, naturalmente; fazer bicha nas bilheteiras dos espectáculos e não tomar a sua vez, etc., etc.”
A Peste, Albert Camus
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“(…) porque a linguagem nunca é inocente: as palavras têm uma memória segunda que se prolonga misteriosamente no meio das novas significações.”
O grau zero da escrita, Roland Barthes
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As mãos de vinha de alho deitam as crianças esfregando os olhos
a carne a ganhar sabor para o dia seguinte
há sempre o dia seguinte
se a sesta durar o tempo necessário
lavarão as pencas
pegando pelos corninhos minúsculos caracóis babosos
agarrados a restos deitados ao lixo que se enche de cascas de batata
já descascaram quase todas as batatas
atacadas com a faca e as conversas em círculos que caem no lava-loiça
mergulhadas em água fria, batatas e conversas a boiar
e entretanto cortarão os talos
dividirão as enormes folhas em dois
alguma mexerá a aletria ao lume
porá de lado mais alhos, mais cebolas
os vapores ainda terão tempo de subir, quase
se podendo agarrar entre dois dedos atentos
as paredes pingando
um minúsculo caracol conseguirá rastejar pela bancada
num ato de distração de alguma faca
de alguma mão veloz que se aquietou
pensando algo que não sabemos o que foi, pouco importa isso agora
parece seguir para a água fervendo, esse caracol tão pequeno
com sorte alguma criança que já corre por ali
cuidado com o chão escorregadio
aquela que nunca chegou a adormecer e rodeia as pernas rabugenta
aponta para a coisa mexendo-se
O que é aquilo
só olhos de criança veriam o caminho que ali se vai fazendo
e alguém que passa pega-a ao colo
pega com muito cuidado o bichinho, havendo tempo e ternura
olhos que se cruzam e pedem a salvação imediata
havendo tempo e ternura
transportam um pedaço de penca
e o caracol até ao quintal húmido
cheirando a terra, frio e também um pouco a sonhos fritos
onde outros se surpreendem
Voltaste?
Voltei, assim quiseram.
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Linhas miofasciais!
Se algo te puxa para a direita
algo te deve puxar para a esquerda
é que ao mexer o dedo do pé
tens reação na cabeça
então cuida da tua estrutura fascial
estuda as assimetrias de tensões
tensidade é caso sério
se uma perna se mexe
tensão na perna contrária
um pé que funciona mal
desorganiza uma vértebra
mesmo aí em cima
por isso te dói o pescoço
dor no pé = desconforto nas ideias
e ainda há o coração, claro
máquina de movimentação de fluídos
que se falasse gritava
mais tempo em pé, por favor!
sentado és sonolento
diz-me como te moves
dir-te-ei como pensas
posição? sentada. não
posição? em pé. sim
essa é a orientação
e se mesmo assim te desorientas
em pé, agora, pernas afastadas
ligação à terra, energias
não esquecer a respiração
reter o ar, reter as ideias
expirar o ar, exportar ideias
coxas a 90 graus
força nos dedos grandes do pé
ativos no chão
força no pensamento.
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bico coroa íris
pupila
manto
pequenas coberturas
escapulares
grandes coberturas
terciários
uropígio
primárias
cloaca coxa
articulação tíbiotársica
tarso pata tíbia
ventre flancos
peito
garganta
papada
lista supraciliar
diz a Wikipedia
piu
diz a criança de olhar maior do que a palavra.