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TWO-LANE BLACKTOP
Aprenderei a amar as casas
quando entender que as casas
são feitas de gente
que foi feita por gente
e que contém em si a possibilidade
de fazer gente
Matilde Campilho
Jóquei
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CCL
Tudo isto pode ser um poema inútil mas belo. E se for.
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CCXLIX
Quando duas pessoas dormem juntas não podem fugir a uma coisa muito simples que é esta de entrelaçar sonhos. Então não sabemos se o sonho é nosso, se é dele ou dela que dormem aqui ao lado, o pé no meu pé mais a mão no umbigo e uma nuvem de cabelos brincando na almofada. Já não sabemos se nos sonhamos, se te sonho. O que é sonhar ou estar acordado. O que é sonhar sonhos nossos ou dos outros se não são todos iguais a quererem ser qualquer coisa melhor, qualquer coisa maior. Ou tão diferentes que têm que partir para a batalha e será por isto que acordamos por vezes cansados.
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“A luz da manhã chega como encomenda atrasada do estrangeiro, desculpe senhor carteiro, foi há tanto tempo que já nem a esperava, mas sabe, amigo, às vezes a luz do dia é retida na alfândega por suspeitas no tamanho do embrulho, não podemos deixar crescer o contrabando dos dias falsos, as madrugadas contrafeitas, então está explicado, senhor carteiro.”
o osso da borboleta, Rui Cardoso Martins
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CCXLVIII
Petrúcio acompanhou o primeiro desgosto amoroso de Lucília. Seriam também os únicos – o desgosto e o avô amaciando uma desilusão do tamanho de tudo o que é grande.
Nesses tempos caminharam muito. Petrúcio punha o cachecol e da porta dizia uma palavra só: Lucília.
Vinha do canto escuro onde estava já de sobretudo. Saíam para o dia ou para a noite.
Era noite.
A miúda não falava como deve ser em todos os grandes desgostos. O velho cantarolava e volta e meia dizia coisas como
– Enquanto existirem no mundo pessoas que vestem varandas e janelas com luzinhas de natal, há esperança de qualquer coisa melhor.
Lucília sorriu o primeiro sorriso desde que ficara feita estátua gelada. Ouviu-se qualquer coisa rachar e Petrúcio a assobiar um fado contente.
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CCXLVII
Toda a gente nasce.
Se pudessemos contar as vezes que esta frase dançou na cabeça de Lucília ficaríamos muito cansados. Diremos só que foram muitas. E parecendo uma frase pequena saibam que tem o comprimento de todos os partos do mundo.
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CCXLVI
Teve que passar duas portas. Quando uma se fechou abriu a outra. Sentiu medo ao antever o estrondo do bater da madeira velha, viu-se sem saída decretando o trinco fechado para sempre. Mas logo implodiu qualquer coisa como alegria só de poder imaginar tudo – e tudo é muito – atrás da porta prestes a tocar.
Escondia-se um quarto vazio e com um olhar ficou a descoberto. Pareceu-lhe tão verdadeiro. Por isso quis também ela ser inteira. Despiu-se e sentou-se no chão nua. Os olhos ficaram abertos.