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Lerei os diários das cortes
numa cadeira de estilo oriental
a este sonho cravado em madrepérola
direi a humidade a alastrar nas paredes
do palácio. E quem limpa os cristais
do lustre central? Uma tonelada não é
coisa pouca, tanto castiçal ai se eu
o partisse ai quanto tempo além da
vida corporal necessitaria para pagar
a dívida? Quanta eternidade leva o
grande susto do nácar, quer dizer a
vontade inteira que foi há tão pouco.
Dá-me um piano vertical de um século
distante uma sala de fumo para esses
senhores pensarem e arrotarem o almoço
das senhoras que não olham o teto de gesso
talhado ou a simetria dos símbolos octogonais.
Quero o escudo em relevo nessa imponente cadeira
dançar na mesa onde Salazar e Franco negociaram
uma cama elevada, mesmo num palácio entram ratos
ratos ratos dorme o rei num colchão de crinas de cavalo
um penico ocultado numa mesa mui elegante olhai
Diana a deusa da caça, Dona Hermínia fazia viagens
às colónias e trouxe variadas armas africanas olhai
são tão bonitas as camélias
e pelo caminho para as cavalariças
são tão bonitas as camélias
pelo caminho a perder de vista há a fonte onde a água
são tão bonitas as camélias
onde a água corre por entre os rumores de
magnólias centenárias e disseram que a prensa
mais pequenina é para os licores adocicados
quando me sentei na namoradeira perguntei
eram barricas de carvalho francês?
A prensagem no alambique —
esmagar, pisar, comprimir é um gesto que demora
pode ter sido isto uma antiga capela
pisar as uvas é uma forma de orar
olha a forma bela como a rosa se abriu
e os alambiques e os alambiques e a rosa ereta
o sino de cima avisa a hora da refeição
o de baixo a emergência: incêndio revolução
dos que vivem na rua antes do púlpito do sermão
houve quem se benzesse ao entrar na capela
quem não se benzesse houve imaginando
a família no púlpito os empregados lá em cima
atrás da janela onde nada se vê forma ou sombra
esmagar, pisar, comprimir é um gesto que demora
talvez se ouça o eco de uma gargalhada
mas na missa não se pode rir, atenção
a criadagem não pode sair do palácio
saiu-lhes a sorte grande dormem acima do rei
tão perto das nuvens tão alto e que importa se a
camarata não tem janelas que importa
saiu-nos a sorte grande: abrigo e comida
Santa Ana ensina a ler tanto queríamos ver
o confessionário subtil na porta talhada
não voltarei a cometer luxúria e gula, Senhor
disseram eles cravando as unhas limadas no
território de trinta hectares suando no campo de
exercício dentro do bosque cerrado sibilando
nenhum descendente teve filhos é sina é
espaço para ampliar a solidão e fechar
os portões altos ao amor à ternura que
tudo vai cindir cortar cindir cortar
a estrada dividiu a propriedade: que o futuro
sempre chega. Pode tardar mas chega.
Mas que importa a história?
O mais provável é fazerem aqui
um exuberante hotel de luxo.
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