Umumbigo


Visita guiada
Abril 15, 2024, 10:54 am
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Lerei os diários das cortes

numa cadeira de estilo oriental 

a este sonho cravado em madrepérola

direi a humidade a alastrar nas paredes

do palácio. E quem limpa os cristais

do lustre central? Uma tonelada não é

coisa pouca, tanto castiçal ai se eu

o partisse ai quanto tempo além da

vida corporal necessitaria para pagar

a dívida? Quanta eternidade leva o

grande susto do nácar, quer dizer a

vontade inteira que foi há tão pouco.

Dá-me um piano vertical de um século

distante uma sala de fumo para esses

senhores pensarem  e arrotarem o almoço

das senhoras que não olham o teto de gesso

talhado ou a simetria dos símbolos octogonais.

Quero o escudo em relevo nessa imponente cadeira 

dançar na mesa onde Salazar e Franco negociaram  

uma cama elevada, mesmo num palácio entram ratos

ratos ratos dorme o rei num colchão de crinas de cavalo 

um penico ocultado numa mesa mui elegante olhai

Diana a deusa da caça, Dona Hermínia fazia viagens

às colónias e trouxe variadas armas africanas olhai

são tão bonitas as camélias

e pelo caminho para as cavalariças 

são tão bonitas as camélias

pelo caminho a perder de vista há a fonte onde a água  

são tão bonitas as camélias

onde a água corre por entre os rumores de

magnólias centenárias e disseram que a prensa

mais pequenina é para os licores adocicados

quando me sentei na namoradeira perguntei

eram barricas de carvalho francês?

A prensagem no alambique —

esmagar, pisar, comprimir é um gesto que demora

pode ter sido isto uma antiga capela

pisar as uvas é uma forma de orar 

olha a forma bela como a rosa se abriu 

e os alambiques e os alambiques e a rosa ereta

o sino de cima avisa a hora da refeição

o de baixo a emergência: incêndio revolução

dos que vivem na rua antes do púlpito do sermão

houve quem se benzesse ao entrar na capela

quem não se benzesse houve imaginando

a família no púlpito os empregados lá em cima

atrás da janela onde nada se vê forma ou sombra

esmagar, pisar, comprimir é um gesto que demora

talvez se ouça o eco de uma gargalhada 

mas na missa não se pode rir, atenção

a criadagem não pode sair do palácio 

saiu-lhes a sorte grande dormem acima do rei 

tão perto das nuvens tão alto e que importa se a

camarata não tem janelas que importa

saiu-nos a sorte grande: abrigo e comida 

Santa Ana ensina a ler tanto queríamos ver

o confessionário subtil na porta talhada

não voltarei a cometer luxúria e gula, Senhor 

disseram eles cravando as unhas limadas no

território de trinta hectares suando no campo de

exercício dentro do bosque cerrado sibilando

nenhum descendente teve filhos é sina é

espaço para ampliar a solidão e fechar

os portões altos ao amor à ternura que

tudo vai cindir cortar cindir cortar

a estrada dividiu a propriedade: que o futuro

sempre chega. Pode tardar mas chega.

Mas que importa a história? 

O mais provável é fazerem aqui

um exuberante hotel de luxo. 


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